Brasil – A eterna Fita de Möbius
Reflexões a respeito do Mercado Financeiro diante de cenários de incerteza
Com a chegada eminente das eleições, as discussões a respeito de qual será a reação dos mercados diante do cenário que irá se formar se tornam ainda mais fortes, preocupando não apenas os cidadãos comuns, mas também os analistas e gestores.
Deste modo, resolvemos desmistificar o comportamento do Ibovespa, tanto em anos eleitorais, quanto em 1 ano subsequente à eleição, para uma melhor análise a respeito do desempenho do índice, trazendo à tona reflexões importantes e sobretudo necessárias, principalmente em momentos de incertezas.
Sobre as propriedades
Um objeto que desafia as leis da física há mais de 160 anos – Esta é uma das maneiras de se referenciar à fita de Möbius. Criada pelo matemático e astrônomo August Ferdinand Möbius, em 1858, tornou-se fascinante por ser definida como “objeto não orientável”, sendo impossível de se determinar o que é cima, baixo, dentro ou fora.
Logo, estamos diante de um labirinto infinito, em que uma caminhada começada pela parte de “cima”, quando dada uma volta completa, estaríamos, sem perceber, no ponto de partida parado na parte de “baixo”. Assim, como caminhando outrora pela borda “externa” da faixa, ao completar-se o percurso, estar-se-ia na borda “interna”.
Portanto, o que vemos são paralelos com a realidade em voga no solo tupiniquim, em que de 4 em 4 anos as pautas trazidas à mesa são as mesmas, fomentando a discussão de temas pré-determinados, como privatizações, agenda fiscal e programas de assistencialismo, evidenciando que estamos destinados a transitar sem rumo ao redor da nossa própria faixa.
As árvores não crescem até o céu
Uma das grandes contribuições de Howard Marks para os mercados é a noção do movimento pendular. Em The Most Important Thing e Mastering The Market Cycle¸ o gestor de junk bonds discorre sobre o tema, contribuindo para a racionalização e internalização do second level thinking, mostrando aos leitores que nada segue apenas uma direção eternamente.
“Every once in a while, an up-or-down-leg goes on for a long time and/or to a great extreme and people start to say "this time it's different." They cite the changes in geopolitics, institutions, technology or behaviour that have rendered the "old rules" obsolete. They make investment decisions that extrapolate the recent trend. And then it turns out that the old rules still apply and the cycle resumes. In the end, trees don't grow to the sky, and few things go to zero.”
- Howard Marks.
Com isso, mesmo que o cenário seja repleto de desafios e adversidades, é necessário que tenhamos calma e cautela para com as decisões, tendo em mente a ciclicidade dos movimentos. Desta forma, as lições são aprendidas com base na experiência vivida dentro do próprio ciclo, sendo de suma importância para a formação de um superior investor.
“History doesn't repeat itself, but it often rhymes.”
- Mark Twain.
A necessidade do caminho do meio
Porém, o que poucos sabem, é que Marks é um profundo admirador do budismo, como evidenciado no excelente texto:
Para o gestor, que leva como um de seus mantras: “You can’t predict, you can prepare”, os ideais budistas se assimilam de maneira quase simbiótica em relação à aplicação no mercado, preparando-o para as tomadas de decisão de maneira mais fluida e racional.
Além disso, um dos principais conceitos do budismo, senão o principal, é o caminho do meio. Vivenciamos um momento que apresenta características deturpadas, ainda mais ao tratar-se de eleições, uma espécie de dicotomia-dialética-disfórmica, em que a polarização utópica acirra quaisquer tipos de conflitos, desencadeando refutações infundadas entre as ideias defendidas, acarretando uma eterna corrida sem sentido, remetendo, mais uma vez, à ideia da fita.
Sidarta Gautama, também conhecido como Shakyamuni, comumente chamado apenas de Buda, foi um príncipe nepalês que renunciou ao trono, abandonando prazeres efêmeros em busca da verdade profunda, atingindo o então Nirvana (a “iluminação” ou “despertar”).
No entanto, para atingir o mais alto grau de sabedoria, Buda levara seu corpo à exaustão, tendo se privado de sono e alimentos, chegando à beira do colapso físico e mental. Entretanto, ao realizar a inutilidade de métodos extremos, o ex príncipe percebeu a necessidade da busca de um caminho do meio, tendo o equilíbrio como foco.
Portanto, tal qual a ideia de Aristóteles em que toda virtude deriva da média entre dois extremos, a busca pelo meio-termo e a prática do não extremismo se fazem necessárias no que diz respeito à moderação, sendo possível pautar nossas decisões e racionalidades de maneiras mais sensatas.
Vale ressaltar que o caminho do meio não significa uma atitude passiva em relação às decisões, visto que para alcançá-lo é imprescindível que haja a busca incessante entre equilíbrio e controle das próprias ações e impulsos, mantendo-se constantemente equidistante do rigor excessivo e da permissividade descomedida.
“A rational person can find peace by cultivating indifference to things outside of their control.”
- Naval Ravikant.
Olhando para o mercado
Devido à reincidência do tema das eleições, achamos prudente uma (re)avaliação mais criteriosa, buscando evidências empíricas a partir do que nos é mostrado através dos dados de mercado.
Desta maneira, exploramos medidas como retorno, volatilidade e drawdown a fim de se ter mais informações a respeito do comportamento do Ibovespa antes, durante e depois o período eleitoral brasileiro.
Retornos
Em um primeiro momento, podemos perceber que os anos de 1998 e 2002 destacam-se de maneira negativa, obtendo retornos de -35% e -19%, respectivamente. Na ponta contrária, temos os anos de 2006 e 2018, atingindo resultados de 33% e 13%. Além disso, vale salientar que mesmo nos piores anos, ocorreu uma significativa melhora do índice após o período eleitoral, ressaltando à máxima de que o mercado financeiro é especialista em expectativas x realidade. Falando mais especificamente sobre o ano de 2018, vemos que após a confirmação da vitória do atual presidente Bolsonaro, o mercado reagiu bem com a notícia, com a esperança de dias melhores (hoje, é sabido que fora exacerbada), tendo em vista os anos anteriores com o PT à frente do Brasil.
A reação incorrida no ano de 1999, principalmente tendo em vista o cenário geopolítico da época, com as crises tanto do Japão quanto de alguns países emergentes, e os avanços advindos pelo responsável da criação do Plano Real, eram os fatores que estava em voga no momento. Posteriormente, temos o forte ano de 2003, após uma melhor digestão do mercado para com a Carta ao Povo Brasileiro, encabeçada então pelo ex-presidente Lula. Já em 2007, à beira da crise do Subprime, vemos o Brasil como forte hedge ao cenário global, novamente cercado de um ambiente de crises. Em 2019, temos então a reação devido ao governo Bolsonaro e suas principais promessas, fazendo com que o mercado financeiro dançasse feliz ao som destas melodias. Por fim, 2011 e 2015 foram marcados por ampla divergência política devido ao mandato da então presidente Dilma Rousseff, resultando posteriormente em seu impeachment, e mais instabilidade no cenário como um todo.
Volatilidade
Antes de mais nada, é de suma importância que saibamos o que é a volatilidade e o porquê de ser tratada como principal medida de risco no mercado financeiro. Então, entende-se que volatilidade nada mais é que a dispersão dos retornos de um ativo em relação à média destes retornos (quantificada através do desvio padrão), implicando em quanto maior a volatilidade, maior o risco de se investir no ativo em questão devido ao grau de incerteza associado à variável.
Como destacado anteriormente, os anos de 1998 e 2002 tornam a aparecer novamente como os principais dados, em que ambos se mostraram os mais voláteis em relação a todos os outros anos eleitorais, ao que parecem se comportar (em média) de maneira próxima. Mas, ao olharmos as escalas individuais de cada histograma, percebemos que as oscilações diferem bastante entre si, em que alguns anos apresentam retornos concentrados em algumas faixas, enquanto outros estão mais dispersos. Por fim, vemos que 98 conta com alguns outliers, ou seja, valores atípicos na observação, apresentando afastamento em relação aos demais valores da série.
Já no ano seguinte das eleições, ao que parece, temos o mesmo padrão em recorrência. Porém, desta vez, as medidas estão mais próximas entre si, tendo menores dispersões entre os anos, porém contando com mais alguns valores atípicos em relação a comparação anterior.
Drawdown
Complementando a visão de volatilidade (risco), medidos também o máximo drawdown do índice nos anos em questão. Àqueles que não estão habituados com o termo, podemos defini-lo então como a maior queda percentual ocorrida em um ativo em um período, sendo determinado a partir da maior perda entre um pico (menor valor da série) e um vale (maior valor da série), antes de um novo pico ser formado, indicando o risco de downside do ativo em questão.
Novamente, o que vemos é que os anos mais voláteis (tanto em termos de retorno, quanto em relação ao desvio padrão) são os que apresentam o maior drawdown ao longo dos dias, acentuando-se, sobretudo, no período das eleições.
Ao analisarmos os anos subsequentes às eleições, vemos que não existe uma clara definição, uma vez que os dados analisados não nos permitem auferir com precisão se existe - ou não - um padrão. Porém, olhando a reação dos mercados após o período Dilma (2011 e 2015) e após o primeiro ano de Bolsonaro (2019), estabelece-se o interessante contraponto sobre o que a Faria Lima (juntamente com o Leblon) estava esperando à época.
Entre atos e hiatos
Ao longo do texto e com a ajuda dos códigos tentamos identificar padrões e trazer evidências com base nos dados históricos a fim de melhorar nossa percepção e entendimento do mercado durante o período eleitoral.
Logo, o que estamos buscando obter é uma pausa e reflexão do investidor para com o ciclo atual, trazendo à tona questionamentos a respeito de como se posicionar com prudência, escapando sempre dos vieses extremistas.
Na cultura nipônica, temos um interessante conceito que se relaciona com os objetivos do texto. Popularizado pelo mundialmente famoso Studio Ghibli, o 間 (lê-se “Ma”) é uma das principais características das obras de Miyazaki. Traduzido como “vazio”, é um momento de contemplação, a partir de pequenas pausas, em que a construção do sentido se dá de maneira acentuada, opondo-se abruptamente ao ritmo frenético das animações. Deste modo, o autor busca evidenciar a necessidade de um equilíbrio, tornando-o extremamente necessário para a compreensão do rumo da história a partir da manifestação do sentido com base na ausência, onde o espectador se torna um mero observador.
No entanto, ao analisarmos o mercado financeiro, vemos justamente o contraste entre a cultura oriental e ocidental, uma vez que o excesso de confiança e necessidade constante por ação tornam os investidores destemidos em busca do maior retorno possível em seus investimentos, já que a inércia – neste caso a contemplação do cenário para sua compreensão em totalidade – é vista como descaso, e não como sinônimo de precaução/razoabilidade.
What the wise do in the beginning, fools do in the end
Talvez a imagem mais frequentes nos PowerPoints ao redor do mercado tem sido a expectativa de lucro futuro do Ibovespa (aos ferrenhos defensores, trouxemos a comparação tanto com Petr&Vale quanto com a exclusão das mesmas).
Desta forma, os analistas justificam, dado a média histórica, que as ações se encontram em patamares mínimos, salientando o tamanho desconto encontrado nos ativos, onde o índice negocia a 8,5x a expectativa futura de 12 meses, abaixo dos 12,6x da média (sem Petr&Vale). Ao adicionarmos as duas gigantes, temos a negociação em 6,9x, ante o histórico de 11,2x.
Já no estudo apresentado por Robert Shiller em conjunto com o Goldman Sachs, temos um fato curioso. Nele, temos que os preços dos ativos começam a se recuperar anteriormente ao movimento de melhora nos lucros, antecipando-o em uma janela de 6 a 9 meses.

Como os dados fazem referência ao mercado americano, seria possível a correlação com o mercado brasileiro? Assim, o que estamos vendo é necessariamente uma subprecificação dos ativos em que estamos na eminência de uma possível reação, onde os preços tenderão a puxar os lucros? Por sorte, o Brasil é famoso por seu retorno à média.
Knowing what we don’t know is better than thinking we know what we don’t
Para finalizar o estudo, decidimos tentar prever como seria o comportamento do mercado nos meses futuros (perdão Howard Marks) com base em um algoritmo de deep learning, apenas para fins ilustrativos.
Portanto, o que o modelo nos mostra é o índice negociando entre os patamares de 106.000 e 101.000 pontos, com o pós-eleição estando na casa de 98.000, finalizando o ano na casa dos 95.000. A provocação aqui se dará de forma retrospectiva, em que passado o período e revisitarmos o estudo, será possível termos acertado em algum grau relevante de magnitude?
“All models are wrong, but some are useful.”
- George Box.
Dado o instinto humano de reagir conforme a manada e deixar-se levar pelas situações extremas, indo em direção oposta à racionalidade, a reflexão final fica por conta de William Green, autor de “Richer, Wiser, Happier”, em que em um dos trechos do livro discorre a respeito do comportamento do investidor. Nele, o escritor expõe sobre a necessidade da condução dos investimentos de maneira análoga à água, sendo comparado a uma verdadeira força da natureza, capaz de se adaptar a tudo àquilo que se encontra pela frente.
Então, como discorrido ao longo de todo o texto, precisamos não apenas de cautela e discernimento sobre o que estamos enxergando, mas também uma dose de maleabilidade. Consequentemente, a partir da ponderação e organização dos pensamentos, é possível a (in)ação com moderação, obtendo-se uma escala a mais na jornada rumo à sabedoria.
“Para ser forte, é preciso ser como a água: quando não há obstáculos, ela flui; quando há um obstáculo, ela para; quando uma barragem se rompe, ela volta a fluir; quando o vaso é quadrado, sua forma é quadrada; quando o vaso é redondo, ela é redonda. Por ser tão mole e maleável, é a mais necessária e mais forte das coisas.”
- Lao-Tsé.
texto excelente!
Excelente colocação.